aventura humana em corpo de mulher ...
fora da cidade...
entre os muros invisíveis dum bairro infecto onde a promiscuidade sem sombra de dúvida assusta e ajusta seres em desequilíbrio, desenrolam-se e desenvolvem-se dramas que em nada dignificam o ser humano...
embora o esforço de algumas assistentes sociais e a entrega incondicional de muitos homens de boa vontade, que se debruçam e interessam por todas as questões de âmbito social, a vida privada de todos os que são obrigados a viver nestes guetos que tudo absorvem e que tudo resolvem dentro de portas, é horrível e violenta a todos os níveis…...
licito ou ilícito, o certo é que a violência tem tendência a aumentar de forma brutal, dentro destes espaços, sem que alguém com um pouco mais de capacidade organizativa e até com responsabilidade social, ganhe coragem e tente pelo menos acudir a muitos seres humanos que não passam de objectos nas mãos imundas de seres abjectos que só tem por princípio a violência, liderando na sua personalidade o mais básico de todos os instintos, a violência, a agressão pura e simples …apenas pela oportunidade de se sentirem "mais homens"...
ridículo machismo…! que ainda prolifera na mente distorcida de muita gentinha que não consegue evoluir e que deambula na cidade, nada fazendo, nada realizando, mas vivendo à custa de muita gente...
se me fosse lícito dizer uma palavra, mandaria para trabalhos forçados todos os homens que se manifestam sem qualquer responsabilidade, como carrascos de muitas mulheres indefesas e sem capacidade para se afastarem deste género de pessoas que apenas tecem ordinariamente possibilidades de agressão e maldade...
a história que eu vou contar , deixou-me profundamente abalada…
passava pouco da hora do almoço e no Coração da Cidade como sempre, se reúnem para fazer as suas refeições, todos os voluntários que fazem parte da imensa equipa que a instituição desloca e que desempenha funções nos mais diversos espaços...
a protagonista desta história chegou como habitualmente para fazer a sua refeição, mas desta vez, vinha com o semblante carregado e lágrimas abundantes no olhar que lhe inundavam a face...
acolhida de imediato por outras voluntárias que suspeitando do seu drama e percebendo a sua aflição, a trouxeram ao meu gabinete para pedirem auxílio...
tinha diante de mim, uma bela mulher, rosto de anjo e porte de menina que apesar das agruras da vida, faz jus à sua juventude...
23 anos, dois filhos e uma beleza interior que a todos confunde...
trabalha como ninguém, nunca tem um enfado, resolve com cordialidade todos os assuntos que lhe são destinados e nunca regateia esforços..
mas, toda a bela tem um senão e ela também não é excepção...
como costuma dizer, quando era mais novinha e se apaixonou , ele, o companheiro, até era boa pessoa ... bonito, sedutor, elegante e bem falante, atraiu a sua atenção...
hoje com dois filhos, a sedução já não existe mais, depois que se juntaram, não mais trabalhou e o café da colectividade, a droga e a pouca vontade de progredir, fizeram dele um ser desprezível e com o qual ele tem muita dificuldade em relacionar-se...
mesmo depois de ter sido espancada e ter recorrido à urgência do hospital e ter apresentado queixa na respectiva esquadra, este " ser humano", continua com ela e na mesma casa porque ninguém tem capacidade de ver que esta jovem mulher não pode mais aguentar tanta selvajaria...
depois de ter pedido mais dinheiro para comprar o que pensa ser a sua necessidade vital e ter constatado que o dinheiro já não existe, ele não se demora para a descompor e lhe fazer todo o tipo de ameaças e mensagens de telemóvel que tivemos oportunidade de ler e que em nada dignificam um ser humano e que ofendem de forma brutal quem as recebe...
ameaçando tirar-lhe o filho mais novo se ela não lhe pagar aquilo que ele quer este homem passa a sua grande parte do dia de guarda, para ver quando tem oportunidade de levar com ele o filho e quando é que a sós apanha a jovem, para dela dispor através da única linguagem de que dispõe mentalmente ( a violência)...
execrável mensagem, que me obrigou a tomar medidas severas, direccionando para o infantário e escola dos filhos, a jovem na companhia de uma psicóloga voluntária, que foi testemunhar o facto junto das professoras e a reconduziu posteriormente até à residência da mãe que a colherá por uns dias...
necessitamos de uma casinha , ainda que pequena, para esta jovem que não tem onde morar e que tem que refazer a sua vida, longe do seu carrasco...
quem quiser ajudar esta jovem mãe, corajosa, dinâmica, amorosa e responsável, batalhadora e trabalhadora... é só dizer... ela necessita de uma casa , de um emprego,. porque a precariedade dos empregos que consegue, não lhe garantem financeiramente a possibilidade de um arrendamento...
amar para chegar a este ponto de relação a dois, não pode acontecer nos nossos dias, mas parece ser o pai nosso de muitos lares...
alheios aos dramas instituídos e quase " normais", muita gente nem imagina a capacidade que o ser humano tem de ultrapassar essas barreiras, de enfrentar esses monstros e de fazer amor no dia seguinte, fingindo que tudo voltou a ficar perfeito...
a dor é tão grande que nem conseguimos distinguir se doeu mais a violência física se o abraço que o carrasco deu no dia seguinte...
as celas que o mundo tem e que todo o mundo ignora..
o bater da porta anunciando a entrada de quem voltou apenas para castigar inocentes, por pecados que inventa...
o medo nos olhos de quem é castigado, defronta-se a medo com a violência do olhar de quem castiga..
o corpo a tremer e a alma a morrer um pouco todos os dias...
a juventude e a beleza vai escapando por entre os dedos ...
mas, de repente, tudo termina a imaginarmos que um dia vamos ser felizes...
quando a noite acontece, no silêncio dos horas na cela que nos está destinada somos obrigadas a amar , sem recusa, engolindo as lágrimas, na esperança de que o álcool, venha por fim adormecer o carrasco... e tudo isto no silêncio a noite...
não há leis que guardem verdadeiramente ninguém, enquanto não sofrermos os dramas de muitos seres humanos que apenas tem o dever de viver e calar seja a que preço for...
enquanto na televisão se realizam programas de profanação programada das intimidades de muita gente, a vida vai realizando sem câmara outros dramas, que quase sempre terminam em tragédias humanas...
a esta hora, creio que a jovem da nossa crónica estará a salvo no lar materno... mas até quando ? ...
sofrimento e dor, pranto continuado, violência a todos os níveis sem explicação palpável, apenas pelo simples prazer de magoar e destruir...
quem vigiará a sociedade que está repleta de actos de violência que no fundo ninguém assume a fundo, porque em sã consciência sabe que são inúmeros...
para quando meus Deus a abertura de todas as celas do mundo ?...
quando se libertarão estas mulheres que não têm o apoio da sociedade? e se sentem indefesas?...
sem grande esforço Tu libertarias todas estas mulheres... Sabes como meus Deus? ... educando todos os homens...
lasalete