carta a um pai...
não sei quem és... nem o teu nome...
mas sei que estás por aí...
sei apenas que deixas-te um menino sem pai...
sei que o privarás de bons e agradáveis momentos..
ainda que sejam poucos, ficaria no tempo a recordação do teu rosto e das tuas mãos... do teu cheiro e da tua voz...
mas, preferiste ignorar...
eu sei o que digo... também cresci sem pai e desejei conhecê-lo a vida inteira...
hoje com 57 anos ainda sonho que sou criança e estou ao colo do meu pai, que nunca aconteceu...
pai de um menino tão lindo ... não sabes o que perdeste, porque tinhas o privilégio de conhecer um bebé lindo, uma criança sensível, um olhar penetrante, um menino inteligente, que cedo começou a aceitar a vida do jeito que ela se apresentava...
não vai há muito tempo perguntei-lhe se ele sabia do pai, se ele gostava de conhecer o pai...
nos seus seis aninhos simples e ingénuos , ele disse... - deve andar por aí...
é isso mesmo, deves andar por aí...
a importância da figura paterna é bem mais sentida por quem se viu privada desse carinho...
para saberes a importância que tem, eu apenas conheci o meu já com 26 anos ... e no dia em que apareceu, sem nunca o ter visto eu gritei o seu nome e o abracei, como se dele estivesse à espera uma vida inteira ...
este foi o melhor dos meus abraços... o melhor e mais belo momento da minha vida...estava nos braços do meu pai...
só o vi mais uma vez... já partiu... como tenho saudades do meu pai...
tal como as minhas, as lágrimas deste menino vão pesar um dia...
quando mais crescido, pensar em ti... terá apenas como referência, um desejo sem rosto, sem cor, sem cheiro, sem voz, sem coração...
olhará os pais de todas as crianças inventando que podem ser o pai dele, tal qual eu fiz um dia no orfanato onde me criaram...
no Domingo de visita, arrumava o cabelito e punha os soquetes mais branquinhos, polia os sapatos e arranjava as pregas da saia do uniforme e inventava que estava à espera do meu pai... depois das visitas saírem, inventava que o meu pai estava ocupado ou doente e escondia-me a chorar...
para não troçarem de mim, um dia encontrei o retrato de um homem e guardei-o como se ele fosse o rosto do meu pai e durante algum tempo, aquele rosto era o do meu pai...coloquei o retrato dentro dum lenço branquinho e mostrava-o de vez enquando às minhas amigas... como me sentia importante, elas pensavam que eu tinha pai...
ninguém pode avaliar as necessidades afectivas de uma criança...
não há psicólogo que tenha na mão teorias de adestramento para a alma...
por isso Deus criou o amor...
ninguém tem o direito de matar o amor...
tu... não tinhas esse direito...
viverás no imaginário de alguém que vê apenas a figura materna preenchendo todos os sentidos da sua tão pequena existência...
não sei se a vida te dará mais filhos ... espero que não os largues ao vento das vontades alheias , mas que te mantenhas perto deles, para que não sofram o que esta criança sofrerá um dia, mesmo que disfarçando, diga que tudo está bem...
talvez agora comece a fazer sentido a oração que Jesus nos deixou...
talvez prevendo que muitos homens maus iriam renegar a felicidade que Deus lhes concedeu... serem pais...
tal como a mim, a este menino só lhe resta dizer...PAI NOSSO QUE ESTÁS NO CÉU...
parabéns a todos os PAIS que assumiram os filhos...
lasalete