os filhos da outra margem...
todos sabemos que nada vai tão bem assim...
há quem lhes chame filhos de um Deus menor... eu prefiro chamar-lhes os filhos da outra margem...
andam muito e por onde calha, vivem das sobras que a humanidade lança fora com desdém, têm como tecto a lua, o luar quando acontece empresta nuances de paz... sobra-lhes em medo o que lhes falta em carinho, ninguém os quer ver por perto, todos os conhecem, mas não são parentes de ninguém , são portugueses sem direito ao serviço nacional de saúde...
trazem apenas consigo tudo quanto possuem neste mundo ( nada mais)... sorriem com dificuldade e quase todos apresentam problemas emocionais muito graves, psicopatologias medalhando o circuito mental que lhes permite viver ao relento com a facilidade com que os outros habitam as suas casas ... mas , quando chega a noite, a dor aperta e o seu olhar procura dolorosamente o espaço mais seguro para adormecer.
amam sim ,com uma necessidade visceral ,na vã tentativa de voltarem ao colo da mãe que na infância lhes prometia tudo ,apenas com o olhar...
mas fazem amor ao vento... assustando as paisagens citadinas sem gemer e com medo... e os filhos do luar acontecem... alguns andam por aí, pernoitando de vez em quando em pensões duvidosas que rapidamente não se podem pagar, para que ninguém lhes tire os pedaços do seu coração...
todos os ignoram, já que as leis não chegam até para os ( normais)...
as suas emoções são pagas com escárnio e maldizer, mas quando falam inventam vidas , adoptam roupagens que gostariam de ostentar, em terras que nunca conheceram, fugindo assim da curiosidade a que ninguém tem direito, já que no seu entender ninguém os ama...
livres como pássaros emigrantes, vivem da esperança que os deuses distribuíram aos homens por eles amados, mas gozam de uma liberdade que mal se entendem...
não querem morrer e insistem em permanecer de pé, mostrando aos outros como eles amam mal... são os pedestais da desumanização mostrando vivamente que tudo está por fazer...
têm direito a comer na rua, no trato quase cristão de gente de bem... muito poucos ousariam franquear-lhes a porta...
são eles as pessoas sem abrigo na alma da gente... os filhos da lua, aqueles que se cobrem com telhas de lã... representando a dantesca desordem dum país europeu...
mas o nosso mundo indigente está a mudar... os factores se invertem e hoje é possível perceber com dolorosa agonia que os castelos do passado são as ruínas do presente...
nesta divina comédia, os novos pobres estão a surgir e se não amparar-mos o processo com olhos de ver, vamos percebê-los na cidade mostrando dolorosamente o lado infecto das resoluções por tomar, das leis sem serventia, da serpente burocrata e do domínio dos que se servem da sua indigência...
aprofundar a dor das pessoas sem abrigo é abrir fendas na nossa alma... porque eles ficam entre a Terra e o Céu impedindo a nossa passagem...
coragem para mudar ... sem subornos celestiais... com interesses de paz...
a experiência na Terra mostra que ninguém tentou de verdade e que aqueles que o tentaram foram exterminados...
o amor assusta os ratos da política e a polis adere frequentemente à imobilidade traduzindo apenas páginas de interesse pessoal ...
mas...
diáriamente se pronuncia a máxima que Ele ensinou ... AMA AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO...
lasalete