anjo branco do meu país...
adoro o meu país e se pudesse escolher , estava um pouco em todos os lugares...
amo a cidade onde nasci ... minha querida cidade do Porto... mas não consigo deixar de desejar por muitos motivos, viver no Alentejo...
tive a oportunidade de voltar este ano à paisagem alentejana, onde repousei uns dias e visitei de novo o anjo brando do meu país ... SERPA ...
bela demais para estar tão quente, branca demais para ser esquecida...
longe demais para se poder abraçar todos os dias...
visitei a cidade que me embala as recordações, embora o meu coração tenha ficado no Porto com tudo o que me motiva a viver neste vida...
tristemente, registei nas aldeias que envolvem este anjo branco a dificuldade das populações locais...
as casas branquinhas denunciam com toda a certeza, a dificuldade que é habitar tão pequenino recanto... e embora o cuidado e a limpeza do espaço envolvente de qualquer aldeia, fiquei surpreendida com as pequeníssimas parcelas de terreno cultivado, de propriedade particular, muito parecidas com as hortas do norte, mas apenas com mais ou menos 4 a 6 metros quadrados de verde, quase seco e com alguns bicos à mistura, que de certeza fazem parte da economia familiar...
semelhantes a minúsculos apontamentos de favela brasileira , chocam pela proximidade com as casas branquinhas, que isoladas, bordam a paisagem belíssima, de rosto loiro, denunciando as searas rapadas tecnicamente, muito cuidadas a perder de vista...
a forma destes quintais , vestidos de tábuas velhas e de velhas telhas plásticas e de chapa ferrugenta, lembram frente à enormidade das searas que os latifúndios ainda existem e que quem trabalha ou trabalhou a terra sempre fica com a menor parcela...
as férias de todos nós, mostram sempre coisas diferentes, contornos paisagísticos denunciando mudanças e deixam-nos recordações impressionantes...
porém, recolhi nestas férias, a maior lição de desprendimento e percebi que a solidariedade é coisa firme entre aqueles que nos rodeiam...
sem que alguém programasse e porque Deus assim o entendeu, coincidentemente dois voluntários, um casal, com quem privo diariamente , marcaram na mesma data e no mesmo local as suas férias ...
só na vespera de partirmos do Porto é que descobrimos com alguma surpresa que íriamos para o mesmo lugar... eles faram dois dias antes e lá nos encontramos passados tres dias...
terminamos então por ficar durante quatro dias no mesmo local e não posso deixar de registar neste meu espaço o facto que quero levar ao vosso conhecimento... eles que me perdoem...
como chegaram antes de mim uns dias, começaram por fazer localmente a investigação dos locais mais bonitos e num desses passeios , pararam para beber algo refrescante...
no Alentejo as situações para sedentar não abundam, mas o nosso casal parou no café da localidade de Santa Victória...
enquanto bebiam o seu refresco, conheceram um velhinho de 84 anos, antigo soldado da GNR local, que com toda a amabilidade e vagar dum alentejano perfeito lhes falou da sua antiga vida, nos tempos de guerra, na candonga local, na fiscalização apertada, nas lutas dos trabalhadores e num sem número de histórias que emprestaram àquele refresco a eternidade da poesia popular...
conversa vai , conversa vem, o idoso embora com saudades da sua juventude, lá foi apontando como interessantes as mudanças no seu querido Alentejo...
falou de muitas coisas e também , mas da pena que sentia por nunca ter conhecido a Barragem do Alqueva, porque ouvia dizer que era muito bonita e gigantesca, mas ele e a sua Maria nunca tinha conseguido visitar, embora as filhas já fossem formadas e as netas com possibilidades de lhes facultarem um belo passeio o certo é que nunca aconteceu...
os meus amigos voluntários compadeceram-se do velhinho encantados com as suas histórias, plenas de vida e de verdade, fizeram-lhe um convite... visitarem o Alqueva...
o velhinho não se fez rogado e embora não os conhecendo de lado nenhum, de pronto aderiu ao convite...
conduziu-os a sua casa um pouco adiante ... e lá foram foram conhecer a Donas Maria, companheira do nosso homem soldado e ele já levava a proposta solidária de um passeio ao Alqueva...
a Maria ralhou por ele chegar tão tarde, mas a novidade quebraria o ralhete...
ela nem queria creditar...
e lá foram todos na manhã seguinte de abalada até à barragem que fez brilhar os olhos dos dois idosos alentejanos...
almoçaram num restaurante muito fino e nem cabiam em si de contentes...
as filhas nem queriam acreditar no que estavam a saber pelo telefone ...
receosas pelas notícias menos agradáveis que envolvem situações inusitadas como esta, só sossegaram quando falaram vezes sem conta com os nossos amigos, que no final do dia depois de os entregarem em casa sãos e reconfortados pelo passeio, lá telefonaram novamente para os familiares, para dizer que tudo estava bem...
quando a esmola é grande o santo até desconfia...
só que aqui, não se tratou de esmola, mas de solidariedade verdadeira, que se aprende no dia a dia, que se consubstancia perante o sofrimento diário das populações indefesas e com fome...
não era o coração da cidade , eram dois corações do Coração da Cidade, o Armando e a Emília a dar continuidade ao voluntariado mesmo em tempo de férias...
dias depois lá tiveram, de ir lanchar como haviam prometido a casa dos nossos idosos o chazinho e o bolo alentejano com a promessa de que quando viessem ao Porto os iriam visitar...
fiquei encantada por este episódio e louvei a Deus, por me ter concedido a oportunidade de registar como é grande o coração humano...
passados alguns dias conheci nosso velhinho, de trincha na mão pintando de verde escuro, um portalzito que não estava conveniente para a vista, como ele referiu...
devagar, devagarinho, lá esticava a tinta e foi dizendo... a outra parte pinta a minha Maria...
neste Alentejo que não dá para abraçar de uma só vez, também se fazem desejos...
num momento de calma e alegria, vi uma estrela cadente... pedi-lhe de imediato o desejo da minha vida ... liberdade para o meu povo...
lembrei mais uma vez os poetas do meu país que falavam como ninguém de liberdade, de paz, de pobreza, de trabalho... enfim ... da alma do povo...
a estrela riscava os céus levando o meu desejo, só eu e o meu companheiro vimos o facto, ninguém o referiu...
é preciso saber olhar o céu ...a cada um a sua estrela...
abençoado seja o Alentejo ...
mas dói, pensar que ainda não chegou a liberdade a toda a gente...
nossos velhinhos são esse exemplo ...
mergulhados num deserto, com o Alqueva ali tão perto ...
lasalete