Maria de Ninguém...
vive nos sonhos de ninguém...
e é de qualquer um...
tomei conhecimento dela vai para 10 anos...
apenas sabia que era prostituta e que dela muitos homens fugiam...
tinha um corpo másculo e grande, percebia-se rapidamente que media força com qualquer um que a desafiasse , como ela costumava dizer...
vou chamar-lhe Maria de Ninguém... mas é de toda a gente ... é uma Maria do Porto...
Maria não é de trato fácil... mas gosta de abraçar e beijar todos os voluntários quando vem jantar...
é temida pelas mulheres da rua, que com ela disputavam os lugares do pinhal , onde o "amor" acontece entre a ramagem ...
diz ,que raras vezes se mantem adormecida, com medo que a roubassem ou lhe fizessem mal...
um dia, Maria vê seu ventre avolumar-se sem perceber o motivo... a gravidez aconteceu e vai desenrolar-se entre tormentos e dor...
uma tarde, em que se preparava para jantar, um homem sem avisar, bateu em Maria e atingiu fortemente o seu ventre, onde ela carregava o seu tesouro...
a alegria de Maria acabou ali... a ambulância levou a Maria e as lágrimas pesavam mais que ela própria...
no hospital, alguém deixou escapar que o menino não tinha vida, faltavam apenas 2 meses para ele nascer... Maria não esperou pela confirmação e a raiva tomou conta dela... fugiu do hospital e percorreu a cidade para vingar o seu menino...
ao fim de três dias , tombou exausta e o seu menino foi separado dela, deixando Maria no mais completo estado de embriaguez emocional...
um ano depois, Maria vive de novo a alegria da maternidade...
annunciam uma menina a Maria...
tudo decorre com mais cuidado, mas Maria, tem dentro dela a morte anunciada...
está com SIDA...,
a sua menina nasce e os serviços de adopção vem buscar o seu tesouro...
relutante , entrega a menina, que também está doente ...
a bebé necessita de cuidados especiais...
Maria , depois de ter alta, aceita a situação e é visita diária da
instituição em que a sua filhinha se encontra ...
Maria não sabe cuidar de uma criança...
a vida da bebé corre perigo se ela ficar junto da mãe...
dizem-lhe que a menina foi adoptada
e Maria deixa de compareceu no pedaço de céu da sua existência...
todos os dias vem jantar ao Coração da Cidade e chora...
Maria chora demais e não consegue viver com a dor que a domina...
enfraquece de tal maneira que a tuberculose logo a toma para si...
hoje, é uma sombra da mulher corajosa que foi em tempos...
a rua que a trata por tu, certamente nem a reconhece...
Maria arrasta-se... parece um farrapo humano, como é comum ouvir-se dizer quando passa...
aranca lágrimas aos voluntários...
come muito devagar e tosse muito...
é internada muitas vezes e vem convalescer à rua...
Maria não tem repouso, quando fala, fala da sua menina
e tenta convencer-nos que está a sorrir...
Maria ri a chorar... porque começou a morrer quando lhe retiraram o seu pedacinho de céu...
a rua é madrasta, mas não deixa morrer os filhos da noite, onde se escondem os pecados que a negra sobrevivência elege como estátuas nuas...
hoje, Maria veio até nós mais uma vez ... almoçou na varanda e ficou a apreciar o jardim...
mas, os olhos de Maria pousaram no céu...
será que Maria ainda tem esperança... e fé...
ajudamo-la a descer a escada... afastou-se devagar ...
emagrecida... triste... sem perceber quem passava por ela e a olhava com tristeza...
Creio que só Deus entende o olhar de Maria...
só Ele sabe quando ela voltará a sorrir ...
a Maria de Ninguém, sem saber, só a Ele pertence...
lasalete ...