uma dor + uma dor, faz uma lágrima...
Senhor ...
amanhã começa uma nova semana...
como vai ser Senhor?
por certo as alterações não serão muitas...
as ruas continuarão a suar de gente disposta a passear nelas, mas não a viver, a sorrir e a amar...
os rostos continuarão a passar uns pelos outros, mas não vão notar as alterações ... os sulcos vincados, vinculados às lágrimas soltas, sem aviso, incontidas num brutal e enorme pantanal de dor...
os sonhos vão misturar-se e serão bem mais frágeis que as realidades que a própria dor constrói...
por entre a multidão, vão desfilar os desgostos que ninguém vai descobrir, nem consegue travar...
na multidão apressada o vai e vem das saudades escondidas vai acontecer...
ninguém estranharia se alguém sussurrasse ...TENHO FRIO...
ninguém se espantaria se enrolado em seus próprios braços alguém chorasse murmurando ...ESTOU SÓ ...
SENHOR ... e TU ?... caminhas entre a multidão? ...
quantos vão desejar encontrar trabalho e não vão conseguir... alguns vão desistir...
não permitas Senhor... trá-los ao Coração... aqui sempre há de comer e um ombro onde se possa chorar sem que ninguém veja... mas sobretudo, um sorriso que alimenta de esperança quem para aqui se encaminha...
não permitas que ninguém desista ...
o Inverno da esperança que se exprime em desistência, transforma a nossa alma como galhos secos no chão, que ninguém levanta , que todos pisam e que frágeis, quebram ao menor impacto...
no palco da vida estão distribuídos papeis tão difíceis de protagonizar...
sabes Mestre, eu gostava de ter um colo gigante, onde pudesse embalar todos os que estão cansados de caminhar...
no seio do luxo e da prosperidade material, figuram aqueles que se desvinculam da vida, passando à margem de quem sobrevive miseravelmente ...
não dá para abanar esses corações empedernidos ? ...
apesar da Fé que existe em minha alma, não consigo evitar de perguntar todos os dias ... ATÉ QUANDO ?...
apregoa-se, mentindo, que a escravatura acabou...
porque mentem os homens, se o mundo deixa passear por aí os escravos, mal pagos , desnutridos, doentes, sem direito a dizer... n ã o ooooooooo ...
trocaram os troncos e os açoites, pelas máquinas e pelos impostos...
as senzalas já não existem, mas foram inventadas nas cidades os bairros sociais, a invigilância e a maldade proliferou e indefesas as escravas continuam a ser as mulheres dos senhores que tudo querem dominar...
as crianças são vendidas à indiferença e os jovens olham o futuro como um kilombo que alcançado lhes pode garantir a liberdade... onde está?... quem sabe o caminho ?... são tantos os que o querem alcançar...
a semana vai acontecer... neste momento na TV os crimes violentos são motivo de debate...
numa época de tanta descoberta científica o homem esqueceu-se de inventar a fórmula para a paz...
ajuda-nos Senhor....
ao escrever estas poucas linhas senti de repente saudades de meus amigos, das caras conhecidas que me habituei a descobrir todos os dias nas palestras semanais que vou proferindo...
mas não consigo abafar o grito, que hoje, de forma estranha, interrompeu a meditação do grupo que eu dirigia... quando repentinamente, um jovem adentrou a casa espírita e disse ... TENHO FRIO... TENHO FRIO...
era um pobre sem abrigo... tem apenas vinte anos ... é um cidadão português sem direito a morar em lado algum, mas preso à vida com salvo conduto, obrigado a viver...
um dia foi o menino de alguém...
quem se atreve a chorar por ele...
neste espaço de cantaria chamado cidade ... acudindo ao grito, uns braços se estenderam... um voluntário do Coração da Cidade ... porque este coração não pode fechar... aqui a dor faz os dias todos iguais... e as lágrimas não têm hora para cair... e uma dor mais uma dor faz uma lágrima ...
lasalete