SOLIDÃO...
Estendi-lhes a mão
Levava na minha mão migalhas de amor que não enxugariam lágrimas, nem secariam , nem de longe nem e perto, uma só das lágrimas, das rugas, das vozes roucas que a droga e álcool tornaram quase imperceptíveis…
Ao meu encontro, vinham as mãos calejadas, os braços enegrecidos, do sol que é de toda a gente mas que os veste diariamente, por falta de tecto para morar…
Denunciadas as tatuagens, que rompem desabridamente, mostrando os registos de dias seguidos, numa cela isolada, num presídio qualquer…
As mulheres que vendem o corpo , a vida e a alma, não se mostram tão diferentes... assim parecendo anjos de negras asas, suando a dor , dor de momentos, que julgados fáceis, são sem dúvida espelhos de almas intensamente torturadas…
As dores misturadas com a tristeza , em folhos de gargalhadas, enfeitadas com palavras de agradecimento … iam e vinham devolvendo olhares que dificilmente se apagam da alma de quem os serve por amor…
Estes são os filhos de ninguém… os que tudo pedem… apenas porque só têm deles aquela hora… e esta é a hora de fazer amor…
O sol beijando sem piedade, está alheio à dor, às queimaduras internas, que mostra o gelo da humanidade… onde tudo é mal dividido… onde uns têm mais que os outros… onde uns têm direito a tudo e os outros direito a coisa nenhuma…
Perguntei a Deus se era servido… creio que me respondeu… que eu já O estava servindo…
Retirei-me para escrever… coloquei música suave para atenuar o sofrimento… mas as lágrimas correram…
Os dedos colaram às teclas para falar da dor que não consigo esconder…
12 anos a estender a mão… pedindo que aceitem nossas migalhas de amor…
Pedindo que não envelheçam, porque vai ser mais difícil viver…
Nós não damos nada… é tão pouco o que fazemos…
Amenizamos apenas momentos difíceis…
As vielas da vida, escondem os fracos…
As prostitutas mais velhas, já ninguém as requisita…
Os que se drogam há mais tempo, já estão cansados, trôpegos e doentes..olham para nós por uma nesga de vítreo, fixando o olhar para tentar compreender o que se passa em redor…
A música de S. João não foi suficiente para mudar o painel, não…
não mudou o tom da solidão…
À vista de quem atento estava, percebia-se a necessidade de se ser igual a toda a gente…
Somente Deus assim o reconhecia… nós estávamos apenas a aprender…
Hoje senti saudade da infância… aquele ponto em que para nós tudo está bem e o mundo não tem maldade e nem inspira maldade também…
Hoje senti saudades dum mundo diferente, onde todos seremos iguais e o bem se espelha e se espalha como fragrância indispensável para viver …
Hoje senti saudades do amor … hoje por um instante, não quis viver entre os homens desta terra… senti vergonha de estar a dar de comer, porque o meu gesto denunciava a falta de amor da humanidade…
Falta de amor, porque não soubemos, nem sabemos educar convenientemente…
Falta de amor, porque distribuímos a riqueza de forma torpe e egoísta…
Falta de amor, porque não nos colocamos ao lado de qualquer causa, para defender e mudar o rumo daquilo que percebemos errado…
Falta de amor, porque ainda não aprendemos a amar do jeitinho que desejamos, que todos sem excepção nos amem a nós…
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Depois parei para pensar que mais logo, quase à noitinha, eu teria de estar em outro lugar …
falando de tudo isto, mas com consciência de que viria novamente ao encontro de outras dores… talvez não muito diferentes…
Outras almas… outras dores e outros propósitos de vida…
Dores com tecto… dores sem fome física…
Dores com roupa, mas mostrando o gelo interior de quem necessita de aquecer por dentro …
Dores com fome de beijos, de abraços…
Dores com fome dos filhos, dos pais, dos amigos…
Dores com fome de alguém que nos deixou de amar…
Dores com fome de alguém que nos mentiu… e não voltou nunca mais…
Sabia que viria ao encontro das dores com fome de amor…
As dores mais humanas e os apelos mais divinos que conheço …
Mas para essas não tenho migalhas de amor, nem braços, nem pão…
Para essas dores trago apenas a missão de apontar um caminho DEUS…
28 de Junho de 2008 … 16 horas