O MEU PEDAÇO DE CHÃO
Não entendo como foi capaz de acontecer…
Creio que foi muito rápido… de repente dei comigo a recolher algumas moedas que caíam junto de mim…
Eu apenas me tinha sentado no chão desiludido…estiquei as costas e pensando que eu estava a pedir esmola, deixaram que as moedas tilintassem para eu as apanhar… e durante todo o dia foi assim, até que me habituei e fiz daquele lugar o meu espaço permanente…
Mas o meu olhar jamais se levantou…
A que situação havia chegado um homem que sempre trabalhou…
nunca faltei, nunca fui indolente, nem malcriado para com ninguém…
Fui sempre um trabalhador aprumado e agora dispensado…desempregado …
Caminhei por todos os subsídios…até que me vi sem nada …sem direito a mais nada, fiquei esperando a reforma, que tardará em chegar…
Reparei com o tempo que mais homens como eu viviam estendendo a mão…
eu lamentava mas nunca me imaginei a fazer o mesmo…
E agora ali estava eu.. eu e o meu pedaço de chão, como se ele fosse propriedade minha…
Nunca levantei os olhos do chão…
ao mesmo nível do meu olhar, passavam as pessoas que iam e vinham, denunciando mais ou menos pressa…
Apenas as crianças olhavam para mim e estendiam na minha mão a moeda que os pais lhes entregavam…
Lembrei muitas vezes dos meus irmão pequenos e franzinos…
Naquele pedaço de chão, lembrei a minha mãe com saudade e o cuidado que ela teve sempre comigo por ser o mais franzino de oito irmãos…
A meio do dia , já não precisava de estar ali, ganhava para uma sopita e uma sande de manteiga ou de queijo e assim me deitava, no quarto que já consegui apagar, porque a casa de aluguer já há muito tempo que a tinha deixado…
A minha Teresa não ia gostar de me ver assim, ainda bem que Deus a levou primeiro…
Agora só resto eu, mas inda sou novo… que faço eu neste estado de miséria…
Dizem que é da crise. Então depois de tanto trabalhar, só me resta um pedaço de chão ?...
Mas há uns dias fiquei aflito… sentei-me como de costume e percebi que no mesmo lugar estava uma mulher com duas crianças… as moedas caíam como de costume e eu ia para as apanhar, mas não conseguia…
a mulher guardava as moedas e eu continuei ali na esperança de que ela vagasse o lugar…
Não estava entendendo nada…mas ouvi alguém a perguntar … então o senhor Paulo não está qui…que lhe aconteceu?...
Paulo…Paulo… era comigo, é o meu nome…apeteceu-me gritar…sou eu estou aqui.. mas não consegui que me escutassem porque me esforcei para falar e não saía som da minha voz…que estranho…
Sempre gostei do meu nome Paulo Lima…quando me chamavam para receber, era assim que eu ouvia o meu nome …Paulo Lima…e lá ia eu buscar um envelope de notas que me enchiam os olhos e o bolso…
Voltei a olhar para a mulher que ocupava o meu pedaço de chão…
Mas a mulher apressada, disse:- coitado já morreu vai para um mês… estava com os pulmões afectados…
Dum salto levantei-me e dei por mim mais leve e mais alto que o chão…
Alguém muito perto de mim me segurou… era a Teresa…
Segurou o meu braço e disse: - vem , já não precisas de estar aqui…
Mas este era o meu lugar………. vem , disse ela… este já não é o teu lugar…
Despertei incrédulo, como se estivesse a sonhar… triste, mas ao mesmo tempo feliz…
Ela disse-me:- tu morreste, não te recordas?...
olhei para trás e fiquei com saudade, mas ao mesmo tempo triste e pensativo…
afinal depois de tanto lutar e trabalhar, apenas fiquei com o meu pedaço de chão…
Lasalete …9 h... 6-4-2015
psic.( Paulo Lima)( crónicas do outro lado da vida)