sempre que Abril aparece, nos lembramos da revolução…
sempre que precisamos que ouçam a nossa voz, nos lembramos da revolução…
mas, quando tudo está bem para nós, a revolução está dobrada embrulhada a um canto, para voltar a sair em Abril talvez pela data que a lembra de forma cada vez mais desbotada…
porém, Abril representa todos e cada um dos meses do ano…
Abril deve representar cada um de nós e todas as nossas necessidades, cada vez mais esquecidas da maioria e até de nós mesmos…
com o tempo, fomo-nos tornando em seres humanos menos exigentes connosco…
fomo-nos adaptando ao faz de conta, ao deixa correr, ao não vale a pena e tudo desmoronou…
deixamos de renovar as nossas espectativas, deixamos de rejuvenescer a mente…
parecemos gente com muitos anos, com cara do século passado a contar sempre as mesmas histórias, a viver sempre no mesmo sítio e já nem amamos com capacidade de dar mais…
enfim, cada um de nós parece mais do mesmo…
está na hora de nos melhorarmos…
de exigirmos para cada um de nós, outras cores interiores…
cores mais vivas e mais deslumbrantes…
a humanidade está a exigir qualidade, quantidade e rapidez, para que não se transforme num campo de concentração de sonhos, onde deixamos amortalhados a cada dia que passa os nossos ideais…
vamos plantar dentro de nós mais cravos …cravos de todas as cores…
porque as armas já não fazem sentido, já nos podemos entender pelas palavras…
Namorar o Porto logo de manhã, era sinónimo de boa sorte...
... recordo com alguma nostalgia o vai e vem da cidade que foi meu berço e lembro os bons dias de toda a gente, que apenas junto aos outros se demorava o suficiente, para dar um abraço, para desejar boa sorte ou para acender o cigarro, porque isso de isqueiros naquele tempo pagava licença.
Ao descer Santa Catarina, era fácil perceber os caixeiros de pé, junto às lojas lançando piropos ás meninas, que sofridas, fugiam envergonhadas ,levando no andar apressado o recato, mas o anseio pelo namoro e pelo casamento certo.
As senhoras mais abastadas, aí pelas 8,30 da manhã já se encaminhavam para o Bolhão e aí sim... tanto pregão à mistura, que perfumava a baixa citadina e dava aquele encanto só possível de encontrar no Porto, mas especialmente ali.
Os homens, vestindo fato macaco, ostentando as profissões que se adivinhavam, apressavam-se porque isso de termos máquinas para fazer todo o serviço, naquele tempo ? ...ainda não era o pão nosso de cada dia ... mas ter uma arte era tão bom, quanto hoje ter um emprego, porque era trabalho certo.
As meninas , empregadas de modista, passeavam as caixas com os vestidos de baile ou o enxoval da noiva que já tinha comprado o tecido a metro e depois de conferir
o " Moda & Bordados", tinha a certeza de ser a noiva mais bonita da cidade.
Lembro-me que Abril era especial, porque as flores abundavam e a cidade respirava primavera...
As bananas importadas transpiravam aromas que pareciam do céu... as mercearias de Fernandes Tomás cheiravam a bacalhau seco e o papagaio do Bolhão não nos deixava aproximar do bacalhau demolhado, que logo nos denunciava com insultos menos próprios.
O cheiro a alho os limões luzindo na mão das regateiras, disputavam com as colheres de pau a melhor venda.
Os carrejões à mistura, iam de propósito ou não, contra as senhoras de lábios desenhados, que se sacudiam aflitas, rezando ave-marias... o Porto acordava todas os dias com cheiro de amor e dor...
É certo que não tínhamos liberdade para dizer o que queríamos, mas a solidariedade estava no ar, no olhar e no coração... todos se conheciam e se ajudavam, porque a vida custava a toda a gente... conheciam-se os carteiristas e até havia quem afirmasse que no Porto existiam uma escola que ensinava como tirar as carteiras do bolso, sem que ninguém percebesse.
Os polícias eram gordos, dividindo com os sinaleiros a autoridade de rua.
Homens e mulheres, iam e vinham sem medo... talvez menos abastados, mas com mais segurança... os mais velhos eram respeitados e as crianças mais educadas , os jovens pensavam melhor antes de reagir e bastava um aperto de mão para selar um contrato, porque a honra e a palavra dada valiam dinheiro...
Meu Deus, como tudo mudou... até o cheiro do próprio ar... os sons da rua... a educação de quem passa ... e a honra onde ficou ? ... onde pára a solidariedade ? ... e tudo em nome do progresso.
A avenida vestiu-se de cimento e perdeu o seu colar de relva e flores frescas onde podíamos retratar as recordações e onde por vezes os namorados faziam as fotos " á laminuta" como se dizia no Porto.
A voz da gente do Porto era mais forte, sem mistura de sotaque, porque esse, só se misturava lá para as bandas de S. Bento, com as gentes que chegavam do Douro.
Os ardinas falavam das notícias que ( se podiam ler ), trajando no pregão a censura que todas sabíamos existir ... e nas camionetas que atravessavam a ponte, os andarilhos de guitarra às costas, tomavam transporte, cantarolando em verso, as desgraças que a vida abraçava.
Os mesmos que atravessavam a ponte pelas 8 da noite, bamboleando as sacas com a marmita vazia, eram os mesmos que de manhãzinha entravam na cidade com ela cheia de quase nada, amarrada com nagalho de corda e com calças com fundilhos sobrepostos para não gastarem os que dentro, ainda fariam uma época melhor.
O que se fazia a nível governamental , não se sabia, ou se discutia em surdina, mas ,também ninguém perguntava pelos diplomas dos ministros, intocáveis, eles apenas apareciam para cortar as fitas e todos sorriam à sua passagem ...
Aceitava-se a sorte ... até que um dia os cavalos na praça se agitaram... os carros da água começaram a molhar quem passava... os polícias entraram nas igrejas e começaram a bater , porque os estudantes se revoltaram, os cravos já deviam estar a florir e o povo estava inquieto ... estávamos na primavera ... havia no ar um cheiro que não identificávamos ... sabíamos que Humberto Delgado tinha passado por ali ... havia muito tempo... quem o calou? ...
Os cavalos estavam agitados ... e o tempo engoliu os pregões ...
Mas não foi o suficiente para parar a Primavera ...