foram tantos os horários que O Coração da Cidade já adotou, para resolver os problemas de apoio social, que a cada ano que passa tenta transformar o tempo em algo mais rentável...
como não podemos diminuir ao número de utentes que diariamente nos visitam solicitando ajuda, só nos resta mesmo esticar o tempo...
e assim, vamos mudando de horário em horário, para conseguirmos apoiar todos os que confiam em nós...
os voluntários já estão habituados a estas mudanças...
os utentes sabem que nesta instituição nada têm que pagar, e sempre que batem á porta tudo pode acontecer...
as suas vidas deixam de estar suspensas...
e há sempre um voluntário que os acolhe e que os pode ouvir...
viver na dependência dos outros é muito dificil, e não adianta apontar o dedo a esta ou áquela circunstância...
felizes os que não dependem de ninguém e têm a sua vida organizada...
mas dentro duma instituição as situações alteram-se a cada dia que passa...
quando os imigrantes de leste visitaram em 2000 o nosso país , e eram quase mil os que entravam por dia n'O Coração da Cidade, só foi possivel atender tantos seres humanos, porque apenas o tempo e a boa vontade dos voluntários jogava a nosso favor...
por essa altura tínhamos quatro equipas que se sucediam para ajudar e a instituição abria de manhazinha para fechar por vezes ás 11 horas da noite...
a pobreza este anos resolver vir para ficar algum tempo...
as novas restrições em todos os sectores da economia, tornou mais pobres os que já conheciam a pobreza...
o Coração da Cidade já preparou a nova etapa de apoio social...
então novo ano social a partir de Setembro...
os poucos dias de férias já estão no fim e os voluntários com a alegria que lhes é habitual, vão regressar para abraçar com coragem as tarefas que os esperam ...
vamos então deixar o horário habitual e assim a instituição estará permanentemente a receber quem necessita ...
em novo horário ... entre as 10 horas e as 20 horas...
com este novo horário, vamos ao encontro de muita gente que nos contacta, para poderem dispor do seu tempo depois do horário de trabalho...
venha trabalhar connosco, o tempo do seu coração ajusta-se ao nosso tempo
se pretendem então ajudar, O Coração da Cidade agora trabalha até tarde...
venha até nós há sempre tarefas para todos...
contamos consigo... o nosso lema para este ano é
PORTA ABERTA ...SOPA QUENTE ...CARINHO PERMANENTE ...
sei que a esta hora do dia já muitos de vocês estão esgotados... eu ainda não...
ainda tenho pela frente uma longa jornada...
tão longa quanto a humanidade que me rodeia...
tenho uma porta aberta e um refeitório que serve alimento a todas as pessoas que ao longo do dia sentem fome...
o desespero de muitos tem que ser o meu desembaraço...
não tenho cartões de crédito para dar, mas ofereço sopa quente e pão com fartura, bolos e iogurte, a novos e velhos, crianças, doentes e tantos mais...
não os posso mandar para nenhum SPA, mas ofereço um cobertor que os abrigue do frio da noite gélida...
não tenho tempo para ir com eles ao cinema, mas sorrio, para que retenham na sua memória, o meu olhar...
não lhes peço um voto, não eu mesma estendo a minha mão, que eles seguram com firmeza...
não faço campanha eleitoral, mas eles me abraçam do fundo do coração, sem que eu lhes faça promessa alguma...
e tudo isto já faço vai para 16 anos... o tempo passa a correr...
um dia dei por mim a alimentar mais de mil pessoas por dia...
hoje são quase 500 pessoas a alimentar... todos os dias… chamam-lhes pessoas sem abrigo…todos os dias aumentam... todos os dias se vão ...
quando iniciamos o dia pela manhã, não sabemos quantos é que vêm comer, pedir ajuda, agasalho, calçado ou medicação...
a esta hora, os voluntários já estão um pouco cansados, pois que desde manhãzinha recolhem alimentação para podermos ofertar…
os voluntários todos os dias caminham em direcção á pobreza como caravelas, descobrindo novos mares de gente, novos sois, novas galáxias de sofrimento e dor…
e os monstros alados, continuam a empurrar o mundo para o desespero, desempregando, empobrecendo… só agora começamos a perceber, porque é que não cultivaram e educaram a maioria, porque é que não se investe na cultura… porque um homem sábio desperta com mais facilidade, reivindica e exige…
mas a cidade não dorme , tem borboletas quase moribundas de esperança, borboleteando dentro dela…
aos Sábados tratamos os pés... ás borboletas da cidade… aos que palmilham as ruas de pedra basáltica, que têm os pés doridos, feridos de não saber parar e de calcarem as pedras da indiferença humana ... ainda não disse ... estou a falar da cidade do Porto...
eu não sou ninguém com alguma importância... apenas uma mulher que um dia com uma magra pensão, abriu uma porta e nunca mais a fechou... chamou-lhe -O Coração da Cidade.. e este coração nunca mais parou de bater...não precisou de um monte de acções da bolsa, precisou apenas de dizer SIM, á vida…e outros corações fizeram eco com o seu, o amor falou mais alto e o coração se abriu…
hoje a crise também lhe bateu á porta... tinha fome... não a pude deixar á porta... só lhe pedi, que se sentasse, que não se alimentasse de nós e partisse, mas que não nos fechasse a porta...
então a crise disse:- para isso é necessário haver na cidade, mais gente com coração...
é por isso mesmo que estou a escrever para vocês...
será que quem me ler tem coração ?...
e espalha a minha mensagem aos quatro ventos pedindo ajuda para O Coração da Cidade?...
se assim for, fico-lhe grata... pode contactar-me ...
hoje venho aqui relatar um caso de pobreza, difícil de encarar...
e eu a pensar que já tinha visto tudo...!!!!!!!!!!!!
um telefonema, como tantos outros...
a voluntária atende e do outro lado da linha, alguém desconhecido, diz que tem para oferecer ao Coração da Cidade, algumas coisas e que queria ver se interessavam...
a voluntária apressa-se a dizer que tudo o que não faz falta aos outros, ao Coração da Cidade é sempre bem vindo...
a senhora fornece o endereço e na hora marcada dois voluntários visitam a senhora e o endereço é nada mais nada menos que a morada de um estabelecimento...
a senhora está na disposição de oferecer o mobiliária da sua loja , porque segundo diz, já não lhe faz falta e vai fechar...
até aqui tudo bem... afinal tanta a gente fecha as portas, porque os negócios vão mal... mas esta senhora, vai oferecendo tudo o que tem na loja... tudo o que durante anos foi o seu ganha pão...
agora de nada serve... repete vezes sem conta...
depois de carregados os primeiros moveis, afastam-se os voluntários que foram carregar e a senhora quase a medo com as lágrimas nos olhos, pergunta se pode ser voluntária d' O Coração da Cidade...
- claro que pode... a senhora faz a sua inscrição e pode juntar-se a nós...
a senhora olhou mais uma vez a voluntária, baixou os olhos húmidos e perguntou muito baixinho - ( se eu for voluntária, posso comer ao meio dia?...)
a voluntária olhou para ela e percebeu a sua aflição... e perguntou se ela estava numa situação difícil...
a senhora responde a chorar que estava numa situação muito complicada...
há muitos anos que está estabelecida e sempre ganhou para comer... tinha cinco filhos e ajudou-os a todos.. agora a situação dela é muito complicada... não pode ficar mais com a loja... - não há negócio ...diz ela...
- o que me aflige é que nem tenho que comer... fui á Segurança social e a assistente social, deu-me umas senhas para eu comer , mas eu senti tanta vergonha, que não consegui pegar nelas e saí a chorar...
-depois que o meu marido se separar de mim o juiz disse que ele pagaria o aluguer da minha casa, mas ele afinal já não pagava há mais de dois anos, quando eu soube estava quase na rua... a minha casa pertence aos padres capuchinhos e eu não consegui com eles uma ajuda... o tribunal deu-me um prazo e eu tive de descontar da minha reforma de duzentos e tal euros a quantia mensal que eles estipularam para não ficar sem casa...
- eu só queria que me dessem uma refeição por dia...
a breve trecho, entra uma senhora conhecida que lhe costuma fazer companhia na loja e confirma a situação... - esta senhora sempre ajudou toda a gente a vida está a ser injusta... hoje está nesta situação... um filho paga-lhe agora a renda da casa, mas não lhe sobra quase nada para comer... eu vou dando o que posso, mas ela tem muita vergonha...
a voluntária chorou...
telefonou-me a contar o caso e ficamos de colocar a senhora numa das lojas que estamos a abrir para que ela não sinta que está tão mal e assim como voluntária vai poder fazer as suas refeições e também vai beneficiar do Mercado Social, que diariamente está aberto das 10 ás 12,30 horas, onde estão á disposição de quem vem pedir ajuda, os produtos que as grandes superfícies comerciais doam , para serem distribuídos a quem necessita...
esta senhora não mais terá fome, pelo menos enquanto O Coração da Cidade existir…
esta imagem da pobreza envergonhada, vem sendo a nossa grande preocupação...
eu continuo a perguntar...
- por acaso o governo sabe destas situações e da forma injusta como estão a viver, pessoas que sempre trabalharam ?... que pagaram os seus impostos, que contribuíram para o crescimento do país ?... e que do seu esforço saíram os ordenados para os senhores membros do governo ?...
é necessário parar para pensar...
nós portugueses, não podemos ser colocados numa vala comum, meios vivos, meios mortos á espera que a morte cumpra o seu papel, pedindo colaboração é fome...
este é um dos casos dramáticos duma economia doente, infectada de inoperância e viciada tecnicamente...
haja humanidade... afinal todos somos animais racionais... ou não?...