já partiu vai para muito tempo, mas, o lamento que saiu da minha alma, foi a ausência de lembranças acerca do meu pai...
sabe a dor olharmos em volta, ouvir histórias dos pais de toda a gente e não entendermos a que é que se referem as memórias que se estendem em histórias, tristes ou alegres, mas histórias verdadeiras de vida... histórias de gente normal, que ainda recorda o rosto do pai, e ainda consegue, se fechar os olhos, ouvir a sua voz ...
muito se fala da mãe, dos seus gestos amorosos, da proximidade com os filhos, dessa relação umbilical que nunca se quebra... mas, eu continuo a desejar ter conhecido meu pai e ter dentro de mim a recordação do seu colo, das suas mãos fortes pegando as minhas mãos e da sua voz pronunciando o meu nome...
hoje orei por esse pai que partiu e juntei o meu choro á dor de alguém que de certeza se multiplicou muitas vezes na mesma hora e no mesmo dia e que por esse mundo fora ficou também sem pai...
o lado masculino da nossa emoção, necessita desse encontro na vida, desse ser aparentemente mais duro, e por isso, pensamos nós, ser ele menos sensível...
de forma simples, deixo nestas palavras um apreço pelos pais que forem homens com letra grande e que amaram os seus filhos de forma sensível e carinhosa...
dos pais que também sabiam chorar e a quem por vezes apenas se atribui o papel da figura que deve ganhar muito dinheiro, para garantir o sustento da família...
se ainda tem junto de si o seu pai, ofereça-lhe o seu braço, vá passear com ele, faça-lhe um telefonema e diga-lhe com carinho que o ama, que o admira...
não espere pelo dia do pai para lhe dar um presente, ofereça-lhe hoje mesmo o seu coração...
acredito que muitos pais têm as lágrimas suspensas, para chorar quando ninguém perceber, e muitas vezes, as lágrimas espelham solidão...
se Deus ainda não reclamou o seu, ofereça-lhe o seu carinho...
pais do mundo, pais de todo o mundo, fazem falta em muitos lares...
deixo aqui também um beijo para o meu pai, que no mundo espiritual, tenho a certeza o receberá e que de vez em quando me visita, cumprindo pelo menos dessa forma essa presença que em vida não cumpriu...
entre tudo o que Deus me deu, saber ler e escrever, foi na realidade a maior riqueza com que me presenteou...
todos os dias a vida me cumula de bençãos e me ajuda a prosseguir nos meus ideias...
na obra que desenvolvi ao longo de 13 anos e na sequência de todos os seus passos fui descobrindo algo que me ajuda a saber quando estou certa e quando estou errada...
meu anjo sempre me ensina que quando tiver alguma dificuldade, é porque estou perante algo que vou realizar que vai valer apena...
apesar de ter a certeza da minha missão sobre a Terra, eu sou um ser humano, erro como todos os seres humanos e também me canso como toda a gente... e, nas minhas meditações amplio o meu pensamento e demoro-me mais um pouco em determinados espaços do meu percurso...
hoje dei comigo a pensar que:
vou sair desta vida sem conhecer a fundo a vida...
fui dando conta de que a maior ciência, a mais difícil de aprender , a mais difícil de adentrar é o coração humano... mesmo assim...
visto-me de um enorme desejo... ensinar a amar profundamente... viver para além das estrelas... não convencer ninguém, mas conseguir sensibilizar para o amor toda a gente...
é fantasia?... talvez, mas não me impeçam de viver o meu sonho...
dói tanto quando me fazem chorar... só aí eu descubro como estou apaixonada pela vida...
tenho experimentado dores profundas e de cada vez descubro que as dores da alma são bem mais difíceis que as dores do corpo...
é no labirinto da minha Fé, ainda em botão, que eu me deleito e me convenço que vou prosseguir, inventando caminhos próprios e imaginando a cada dia um mundo bonito, belo e bom, onde todos os meus amigos são anjos e que gostam muito de mim ensinando-me coisas novas...
este é o mundo onde eu quero viver, este é o mundo que eu desejo construir...
por este ideal eu luto, eu trabalho , por este ideal morreria se preciso fosse...
acusam-me de utopia, mas se não fosse ao meu sonho de amor, onde iria eu buscar a força, perante o egoísmo que o mundo comporta...
dou por mim olhando o mundo em meu redor, onde todos fazem o que muito bem entendem, onde todos são capazes de se desligarem do mundo e ficarem apenas no seu pequenino e confortável mundo...
olho em redor e percebo que estou sempre ligada ao mesmo ponto de apoio...
ao meu ideal...ao meu sonho...
às vezes ficou com saudade de não ter responsabilidade, de voltar ao mundo que eu já conheci, quando eu tinha família e como todas as mulheres fazia o meu almoço e o meu jantar, vestia um vestido diferente a cada dia, organizava os fins de semana e as minhas festas de aniversário, fazia só as minhas contas, vivia apenas os meus momentos, estava de costas voltadas para as dores do mundo, estava dentro da minha gaiola, vivia para a minha casa, para aqueles que eram do meu sangue, aliás como faz a maioria ...
quase que dou razão aqueles que dizem ( deixei de ter vida própria)...
às vezes apercebo-me que deixei de ter gente no meu pedaço de Céu...
sinto-me tão só...
quando à noite regresso a casa, desejo ser como as árvores que parecem gigantes tomando conta da estrada...
falo com a Lua e peço ajuda... trago atrás de mim, os rostos esculpidos da pobreza que insistem em dormir perto de mim... transporto comigo o cheiro da dor...
só mesmo Deus conhece o drama do mundo...
como me sinto pequena... tão pequena que ainda não consigo deixar de chorar...
neste momento peço a Deus, que me acorde e aconteça um milagre... e desperta, eu verifique que as dores que envolvem o mundo faziam apenas e só, parte de um pesadelo...
neste momento peço a Deus que me acorde no seio de um mundo de amor...
Namorar o Porto logo de manhã, era sinónimo de boa sorte...
... recordo com alguma nostalgia o vai e vem da cidade que foi meu berço e lembro os bons dias de toda a gente, que apenas junto aos outros se demorava o suficiente, para dar um abraço, para desejar boa sorte ou para acender o cigarro, porque isso de isqueiros naquele tempo pagava licença.
Ao descer Santa Catarina, era fácil perceber os caixeiros de pé, junto às lojas lançando piropos ás meninas, que sofridas, fugiam envergonhadas ,levando no andar apressado o recato, mas o anseio pelo namoro e pelo casamento certo.
As senhoras mais abastadas, aí pelas 8,30 da manhã já se encaminhavam para o Bolhão e aí sim... tanto pregão à mistura, que perfumava a baixa citadina e dava aquele encanto só possível de encontrar no Porto, mas especialmente ali.
Os homens, vestindo fato macaco, ostentando as profissões que se adivinhavam, apressavam-se porque isso de termos máquinas para fazer todo o serviço, naquele tempo ? ...ainda não era o pão nosso de cada dia ... mas ter uma arte era tão bom, quanto hoje ter um emprego, porque era trabalho certo.
As meninas , empregadas de modista, passeavam as caixas com os vestidos de baile ou o enxoval da noiva que já tinha comprado o tecido a metro e depois de conferir
o " Moda & Bordados", tinha a certeza de ser a noiva mais bonita da cidade.
Lembro-me que Abril era especial, porque as flores abundavam e a cidade respirava primavera...
As bananas importadas transpiravam aromas que pareciam do céu... as mercearias de Fernandes Tomás cheiravam a bacalhau seco e o papagaio do Bolhão não nos deixava aproximar do bacalhau demolhado, que logo nos denunciava com insultos menos próprios.
O cheiro a alho os limões luzindo na mão das regateiras, disputavam com as colheres de pau a melhor venda.
Os carrejões à mistura, iam de propósito ou não, contra as senhoras de lábios desenhados, que se sacudiam aflitas, rezando ave-marias... o Porto acordava todas os dias com cheiro de amor e dor...
É certo que não tínhamos liberdade para dizer o que queríamos, mas a solidariedade estava no ar, no olhar e no coração... todos se conheciam e se ajudavam, porque a vida custava a toda a gente... conheciam-se os carteiristas e até havia quem afirmasse que no Porto existiam uma escola que ensinava como tirar as carteiras do bolso, sem que ninguém percebesse.
Os polícias eram gordos, dividindo com os sinaleiros a autoridade de rua.
Homens e mulheres, iam e vinham sem medo... talvez menos abastados, mas com mais segurança... os mais velhos eram respeitados e as crianças mais educadas , os jovens pensavam melhor antes de reagir e bastava um aperto de mão para selar um contrato, porque a honra e a palavra dada valiam dinheiro...
Meu Deus, como tudo mudou... até o cheiro do próprio ar... os sons da rua... a educação de quem passa ... e a honra onde ficou ? ... onde pára a solidariedade ? ... e tudo em nome do progresso.
A avenida vestiu-se de cimento e perdeu o seu colar de relva e flores frescas onde podíamos retratar as recordações e onde por vezes os namorados faziam as fotos " á laminuta" como se dizia no Porto.
A voz da gente do Porto era mais forte, sem mistura de sotaque, porque esse, só se misturava lá para as bandas de S. Bento, com as gentes que chegavam do Douro.
Os ardinas falavam das notícias que ( se podiam ler ), trajando no pregão a censura que todas sabíamos existir ... e nas camionetas que atravessavam a ponte, os andarilhos de guitarra às costas, tomavam transporte, cantarolando em verso, as desgraças que a vida abraçava.
Os mesmos que atravessavam a ponte pelas 8 da noite, bamboleando as sacas com a marmita vazia, eram os mesmos que de manhãzinha entravam na cidade com ela cheia de quase nada, amarrada com nagalho de corda e com calças com fundilhos sobrepostos para não gastarem os que dentro, ainda fariam uma época melhor.
O que se fazia a nível governamental , não se sabia, ou se discutia em surdina, mas ,também ninguém perguntava pelos diplomas dos ministros, intocáveis, eles apenas apareciam para cortar as fitas e todos sorriam à sua passagem ...
Aceitava-se a sorte ... até que um dia os cavalos na praça se agitaram... os carros da água começaram a molhar quem passava... os polícias entraram nas igrejas e começaram a bater , porque os estudantes se revoltaram, os cravos já deviam estar a florir e o povo estava inquieto ... estávamos na primavera ... havia no ar um cheiro que não identificávamos ... sabíamos que Humberto Delgado tinha passado por ali ... havia muito tempo... quem o calou? ...
Os cavalos estavam agitados ... e o tempo engoliu os pregões ...
Mas não foi o suficiente para parar a Primavera ...